Há dias não dormia. Passava os dias a cochilar. Nas paradas de ônibus. Nas filas de banco. Nas conversas entediantes. Quando escurecia, o peso daquele dia salgado lhe encurvava os ombros. E ia caminhando triste para sua casa.
Abria a porta e as janelas. Entravam com ele o gato da rua e alguns pensamentos ruins. Tentava acalmar o corpo com um cigarro, depois com um banho frio. A alma mantinha as marcas do açoite. Dos açoites.
Vergastado, caminhava para a sala. Sentava num sofá imundo que o vizinho jogara ali para se livrar daquele lixo. Ligava o rádio velho. Na fita K7 aquela gravação de Valsa da Dor de Villa-Lobos.
Abria o livro. Tentava se distrair com os pensamentos alheios. Depois se deitava na rede, e tentava se concentrar na música. Tentava resgatar memórias felizes. Nada adiantava. Segurava o choro e tentava dormir. Nada. Tentava. De repente os primeiros pássaros acordavam. Fumava um cigarro que lhe descia a garganta arranhando a alma. Com os olhos pesados, mais que seus próprios ombros, ia tomar banho e se arrumar para sair de casa.
Naquela noite em particular, uma sexta-feira, sentiu-se acompanhando por aquela música de Astor.
Lembrou daquela noite em que saiu de casa sozinho para assistir a um piano de cauda de sua cidade local que foi se apresentar em um bar qualquer, acompanhando de um elegante baixo acústico e uma bateria calma e nervosa.
Lembrou daquele casal na mesa ao lado. Abraçados. Trocando carícias. Beijos calmos. Conversas felizes. Compenetrados na música. Rindo por nada. Anestesiados por toda a beleza que aquele momento poderia proporcionar. E ele, infelizmente, sem nenhuma habilidade para sentir um mínimo de felicidade. A cada final de música tinha de engolir o choro, tomar um gole daquele café sem açúcar, fechar os olhos e distrair os ouvidos, para não se dar conta de que aquele casal poderia estar tendo um momento de felicidade. Não, eles não podiam. Era-lhe inaceitável.
De repente o casal pede a conta. Vai embora antes do fim da apresentação. Ele não aguenta. Sente vontade de explodir. Sente seu rosto molhado, uma dor no peito enorme e um formigamento nos pés. Pede uma dose da bebida de maior teor alcoólico. Sei lá, porra. Qualquer uma. Rápido. Puta que pariu. Outra. Mais um café. Três doses. Dois cafés. Deixe-me, consigo levantar sozinho. Deixe-me, ainda que trôpego, carregar minha dor sozinho. Ela. Ela é tudo. Ela é tudo que. Ela é tudo que me resta.
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